Logo O POVO+
Uma flor na janela
Paginas-Azuis

Uma flor na janela

Com a mesma voz que lançou Flor da Paisagem há 40 anos, Amelinha fala sobre os caminhos que percorreu para se tornar uma das intérpretes mais queridas da música brasileira
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
NULL (Foto: )
Foto: NULL

[FOTO1] 

Uma cerveja, por favor”. Esse foi o pedido que abriu uma conversa que ou de duas horas. Com a mesma voz que fez história no Festival MPB 80, com o romantismo de Foi Deus Que Fez você, Amelinha falou sobre uma vida entre a simplicidade e o sucesso popular. As muitas casas onde morou, a amizade com jovens compositores cearenses, o conflito de uma carreira de sucesso com as obrigações da maternidade. “Uma conversa dessas é bom com uma cerveja”, sentenciou.


No fim das contas, foi apenas uma latinha o suficiente para facilitar os caminhos da memória por uma história construída sem muitos planos. A menina que tinha que cantar afinado como Gal Costa, na verdade, queria ser chacrete. Pra nossa sorte, foi o incentivo dos amigos que fez dela cantora. Em Fortaleza, sentada de frente para o mar, ela contou essa história.

[QUOTE1]

O POVO - Queremos começar falando sobre seus primeiros contatos com a música.

AMELINHA - Eu sempre me relacionei com a música, como uma brincadeira. Desde os dois anos e meio eu cantava o pastoril, cantava assim (cantarola “Perdoa linda açucena, por este caso, este caso acontecer”). Era um cantar muito meu, natural. Eu morava no Porangabuçu, numa casa portuguesa. Tinha São José de azulejo, escadaria, alpendre, casa alta. E ava horas deitada no chão, cantando. Meu pai imitava o Vicente Celestino, minha mãe gostava de ouvir Dalva de Oliveira, Elizeth Cardoso, as cantoras do rádio. Ela tinha as preferências e gostava muito de afinação. Tanto que, quando vieram os novos, e ela muito impressionada com a afinação da Gal, eu tinha que ser tão afinada quanto ela. Tinha uma pressão. E tinha minha tia freira, a Irmã Silvia, que era a cantora da família.

 

OP– O repertório que você ouvia em casa não é muito distante do que você canta.

Amelinha – É, a influência vem daí. Vem de casa, porque tinha os saraus na casa da minha avó Amélia. Eu sou Amélia Neta e ela era Amélia Diogo Beleza Garcia. Ela tocava piano, bandolim. Era uma família muito musical.

OP – Quando você começou a levar a música a sério?

Amelinha – Ah... demorou muito. Isso era uma coisa nossa. Eu fiquei estudando, terminando o curso normal. Mas eu não me envolvia com ninguém da música. Na verdade, eu só conhecia o Ricardo Bezerra, mas ele fazia arquitetura e morava na rua do meu avô.

OP – Pelo que você está contando, a música não era nem um sonho de quando você era mais nova.

Amelinha – Quando eu era pequena, sonhava em ser chacrete (risos).

[QUOTE2] 

OP – Chegou perto?

Amelinha – Eu gostava de fazer brincadeiras. Na casa das minhas amigas, eu ia para o lado da televisão e ficava fazendo brincadeira com os programas. Essa plateia eu já tinha. As pessoas sempre gostaram da minha energia, de conviver comigo.

OP – Você comentou que já conhecia o Ricardo Bezerra. Foi ele quem te apresentou à turma de compositores daqui?

Amelinha – Mas isso já na adolescência em algum momento que eu não lembro quando. Por acaso, ele disse que queria me apresentar ao Fagner. Apresentou e foi super legal.Acho que isso em 1967, 68, por aí... Já tinha uma movimentação, mas eu só ia pra (o curso de) Arquitetura conversar com o pessoal e tomar cerveja. Eu ia para as festas, não me ligava nessa coisa de cantar. Outras pessoas cantavam. Eu cantava pra mim, no colégio, na igreja...

 

OP – E quando você se assume como cantora?

Amelinha – Cantora eu fui sempre. Agora, cantora profissional foi quando eu estava estudando em São Paulo. Morando numa república, fiz alguns shows. Por influência de amigos da faculdade, amigos da minha irmã. Eles arranjavam gente pra tocar comigo. E eu não estava muito a fim. Eu tinha um pouco de receio, sabia que havia um metiêr, com divulgação, concorrência, muita vaidade, ego.

OP – Nessa época, havia uma movimentação por aqui, no Bar do Anísio, na TV Ceará. Como foi seu contato com esse grupo?

Amelinha – Foi em 1970, quando eu já estava em São Paulo. Mas meu pai ficou muito doente e eu tive que vir. Daí, 15 dias depois que o papai morreu, o Ricardo me chamou e eu fui para a televisão e eu conheci todo mundo. Rodger, Teti, Jorge Mello, Belchior... Foi quando ei a frequentar o Bar do Anísio, onde o Fagner me mostrou Mucuripe.

OP – Você frequentava os mesmos bares dessa turma?

Amelinha – O meu lugar era mais o Anísio. Eles faziam festivais, mas eu era de fora. Tinha outras amizades. Eu ia pras boates, era burguezinha.

OP – E quem te apresentou ao Vinicius de Moraes foi o Fagner, não é?

Amelinha – Ele não apresentou. Ele disse que o Vinicius queria me conhecer. Ai meu Deus... Era um chamado, eu não podia escapar.

OP – Até agora, a Amelinha é uma cantora só de pequenos shows, sem uma carreira...

Amelinha – Era uma diletante. Estavam me puxando. Aí na terceira vez que o Fagner falou sobre o Vinicius, eu fui e não consegui cantar. Ele esperava que eu cantasse uma música dos cearenses. Quando eu cheguei, minha voz não saía. Aí ele (Vinicius) disse “vai buscar um banco mais alto pra bichinha, que ela está com o diafragma preso”. Cantei, e ele ficou impressionado.

OP – Onde foi esse encontro?

Amelinha – Foi na casa do Toquinho, onde o Vinicius se hospedava quando vinha da Bahia. Um dia, toca o telefone e é o Belchior. Ele disse: “O Vinicius mandou um recadinho pra você. Pediu pra você ligar, porque vão te levar para Punta Del Este (Uruguai)”. Ele já tinha me feito o convite no dia em que fomos ver a Maysa cantando e queriam que eu fizesse a abertura do show. Era no bairro Bixiga, num lugar chamado Igrejinha, com um octeto do Julio Medaglia. Eu fui, mas graças a Deus não deu certo (risos).

OP – Por que “graças a Deus”?

Amelinha – Eu tava morrendo de medo. A Maysa abriu a porta, eu estava cantando mostrando a música. Ela chegou perto de mim e eu comecei a me tremer. Ela virou pra mim e disse: “eu invejo a sua afinação”. Eu não disse nada, só ri. Aí não teve o show, porque ela pegou a maior briga com o pessoal da casa.

OP – Vinicius voltou a convidá-la para viajar com ele?

Amelinha – Aí o Belchior ligou e disse que era para entrar em contato. Eu precisava de um banho de loja, porque eu andava muito vestida de hippie ou de homem, como minha sogra dizia. Eles queriam me compor de outra forma. Aí eu fui pra reunião e comecei a ficar íntima e abusada.

OP – E como foi essa turnê?

Amelinha – Foram 40 dias no Casino San Rafael, que é maravilhoso. Lá eu me senti profissional. Depois de Montevidéo, fizemos alguns shows universitários em São Paulo. Ali, a coisa mudou. Eu me vi profissional e me separei do Maxim.

OP – Depois dessa oportunidade com o Vinicius, o que sucedeu? Quem era a Amelinha naquele momento?

Amelinha – Sucedeu que eu me separei. Fui morar com um jornalista e um baixista, que é o Ife Tolentino. Ele tocou comigo, antes de tocar com Ednardo, Fagner... Inclusive, eu fiquei um ano meio que casada com o Ife. Teve uma afinidade entre a gente, musical e afetiva. Isso foi muito bom.

OP – O que saiu daí?

Amelinha – Aquilo me agradava. O ambiente musical me agrada. O ambiente da arte, eu gosto. A partir daí, eu comecei a ficar mais ligada nessas músicas, eles começaram a desenvolver e fazer músicas dentro da minha casa. Eu vi o Robertinho (de Recife) tocando noites e noites uma música que ele queria terminar e, um dia, eu ouvi quando ele terminou. Nesse dia, chegou o Fausto (Nilo). Ele sempre ia nos visitar, era um momento bacana, depois de sair do trabalho. Ali, ele pediu um papel, uma caneta e escreveu Flor da Paisagem.

OP – Como veio o convite para gravar?

Amelinha – Nessa mesma casa, tanto Belchior, como Ednardo e Fagner me visitaram em questão de dias. Quase na mesma semana. Todos três me fazendo convites para ir para a gravadora deles. Eles foram tão bacanas que, quando tiveram certeza do primeiro contrato, eles se lembraram de mim.

OP – A escolha foi imediata?

Amelinha – A última proposta que chegou foi do Fagner. Talvez eu tivesse inconscientemente esperando. Ele disse: “vamos fazer um disco lá na CBS? Eu produzo pra ti. O Jairo Pires é o diretor, eu te levo pra você conhecê-lo. Vamos marcar">Amélia Cláudia Garcia Collares nasceu em Fortaleza, no dia 21 de julho de 1950. Aos 20 anos, radicada no Sudeste, começou a participar de pequenos shows, enquanto estudava Comunicação. Seu primeiro disco, Flor da Paisagem (1977), é fruto da relação com a então crescente produção de compositores como Fausto Nilo, Ednardo e Fagner. Tirou o segundo lugar no Festival MPB 80, da Rede Globo, com a canção Foi Deus Que Fez Você. Tem 15 discos gravados, sendo mais recente o projeto Janelas do Brasil Ao Vivo, lançado em CD e DVD (2013). No momento, está na produção de um disco em homenagem a Belchior.

 
O que você achou desse conteúdo?